sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

VEJA PORQUÊ AINDA A POLÍTICA MERECE CRÉDITO!!


Como é a rotina de Carlinhos do Papelão: vereador, papeleiro e garçom em Bagé

Eleito pelo PTB com 1.206 votos, Antônio Carlos Gomes Garcia, 46 anos, se desdobra para desempenhar os três papéis. E nem pensa em mudar a rotina

Como é a rotina de Carlinhos do Papelão: vereador, papeleiro e garçom em Bagé Francisco Bosco/Especial
Há 14 anos, Carlinhos largou emprego no banco para se tornar catador

Na sessão, o vereador Antônio Carlos Gomes Garcia remexe nos papéis com uma expressão séria:

— Aqui, não posso ficar rindo à toa. É coisa séria. De tarde, tu vai me ver, no meu hábitat natural, sem essas roupas, com chinelo e bermuda. Lá, sei como tudo funciona. Aqui, estou aprendendo.

O estágio está sendo levado a sério por Carlinhos do Papelão, como ele é conhecido. Desde o dia 1º, quando assumiu o cargo, não faltou. O Legislativo está em recesso até 5 de março, mas mantém sessões extraordinárias às quintas-feiras.

— Mesmo durante o recesso, dos 17 vereadores uns seis aparecem todos os dias. O Carlinhos é um — diz uma funcionária, que preferiu não se identificar.

Às 8h30min, ele sobe para o gabinete fardado: calça social preta, sapato lustrado e camisa de manga curta. Tranquilizou-se quando soube que não precisaria usar todos os dias o traje da posse, terno e gravata. Foi o primeiro terno da vida:

— Parecia um pinguim empanado. Como tem gente que usa isso todos os dias? Entrar na vida pública também foi uma surpresa. À convite do chefe no bar onde trabalha de noite, filiou-se ao PTB e foi indicado para concorrer. Fazia política à sua moda: no seu bairro, o Santa Cecília, na periferia de Bagé, organizava blocos de Carnaval e uma bateria mirim.

 
Filiado ao PTB a convite do chefe do bar, Carlinhos transformou a popularidade nas ruas em votos

Seu último projeto comunitário ainda está em andamento. Catou livros entre o lixo e, com doações de entidades, está formando uma biblioteca. Já tem mais de 3 mil exemplares, mas ainda precisa achar alguém que organize as obras.

— Tenho estudo até o primeiro ano do segundo grau. Não dei bola quando os mais velhos me disseram que era importante estudar. Agora, vejo a necessidade.

Carlinhos é popular. À tarde, nas ruas da cidade, vendedoras puxam assunto:

— Qual é o próximo projeto, vereador?

Ele para o carrinho e começa a explicar. Todas as iniciativas têm a natureza como foco. Começa falando que os catadores deveriam ser mais valorizados, que é por causa deles que os bueiros não entopem. E engata seu assunto predileto: o projeto de tornar obrigatória a educação ambiental nas escolas municipais.

Próxima meta: usar o computador
Ele conta que, ao apresentar o projeto na Câmara, não conseguiu falar direito. Passou o dia irritado. Na manhã seguinte, reuniu a equipe e pediu desculpas pela má atuação. No bar, quando as coisas não vão bem, tem a mesma atitude.

— Ele começou fazendo limpeza e montagem de mesas. Hoje, é nosso gerente e garçom-chefe. Veste a camiseta da empresa e cobra comprometimento da equipe — lembra um dos donos do Point Bar, Guilherme Nocchi, 27 anos.

 
Quando faltou dinheiro, buscou novo mercado, como garçom

Segundo a mulher, Marisa de Vargas Garcia, de 49 anos, o que Carlinhos gosta mesmo é de pessoas. Fica difícil quantificar quantos acenos e buzinadas se direcionam a ele enquanto recolhe papelão.

— Ele trabalhava como caixa em um banco. Daí, veio com o papo de se tornar catador. Não gostei muito, mas ele sempre foi de estar na rua, conversando com todo mundo. Se achou — recorda Marisa.

Quando Carlinhos entrou na profissão, há 14 anos, a reciclagem dava lucro. Com a queda nos rendimentos, ele buscou o segundo emprego, como garçom:

— Não vou largar nenhum dos dois trabalhos porque na reciclagem eu emprego famílias que separam o lixo e dependem de mim e, no bar, o dono foi o único que me estendeu a mão quando eu precisei.

Hoje, lucra R$ 200 por semana, valor que deixa com as famílias de catadores:

— Não trabalho pelo dinheiro. É pelo ambiente. 

E lá vai falando sobre a natureza de novo. Questionado sobre quanto irá ganhar como parlamentar, dá de ombros:

— Acho que é R$ 3,9 mil. Mas ainda não recebi. A primeira coisa que vou fazer é uns reparos lá em casa e depois economizar para fazer um galpão do lado da reciclagem para ser um centro de treinamento esportivo da comunidade.

Às 17h30min, volta com a carrocinha cheia para casa. Descarrega, entra para o banho e cochila por 30 minutos. Veste de novo a calça e o sapato da manhã, com uma camiseta do bar. Come uma empanada com Coca-Cola e espera na esquina a carona de um colega.

No bar, ao atender a primeira mesa, Carlinhos ouve um conselho do cliente:

—Vereador, tem de estudar bastante, pra não ser passado para trás — diz o consultor financeiro Érico Mattos, 35 anos, que também pede uma cerveja.

Ele concorda e já planeja aprender a mexer em computador:

— Na campanha, uma menina montou um perfil no Facebook. Tenho de saber mexer nisso. Viu como é importante? Elege até vereador.

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