quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Com nomes iguais, amigos inseparáveis tiveram o mesmo fim


Com nomes iguais, amigos inseparáveis tiveram o mesmo fim

Vítimas do incêndio moravam a poucos metros de distância em Agudo

Apelidos diferenciavam amigos que foram vítimas do incêndio na boate Kiss 
Ana Paula achava tão bonito o nome do filho da vizinha que resolveu batizar o seu primogênito, três anos mais novo, da mesma forma: Thailan. O destino dos dois parecia estar traçado desde então. Thailan de Oliveira, 18 anos, e Thailan Rebhein de Oliveira, 21, cresceram juntos na mesma rua de Agudo, município de 16 mil habitantes localizado a cerca de 70 quilômetros de Santa Maria.

Inseparáveis desde a infância, a ponto de chamarem-se de “irmãos”, freqüentavam os mesmos locais e aos finais de semana costumavam ir à localidade de Cerro Chato, interior do município, para fazer churrasco e tomar banho de rio. Os dois estavam na boate Kiss na madrugada do último domingo, junto com a noiva do mais velho, Bruna Eduarda Neu, 19 anos. O irmão de Thailan Rebhein, Alan Raí, 26, e a namorada dele, Nathiele Soares, também estavam no local. Os cinco estão entre as 235 vítimas fatais do incêndio.

A trajetória dos dois amigos chamados Thailan era parecida não apenas pelo nome e pela rua Euclides Kliemann, onde moravam a uma distância de 100 metros um do outro, em casas simples de madeira. Tirando o fato de o mais novo ser colorado, e o mais velho gremista, a amizade era marcada por pontos em comum. O mais novo colocou brinco na orelha após ver o amigo usar. Também por influência do mais velho, decidiu que iria para o Exército neste ano. O alistamento ocorreria no dia 5 de fevereiro. “Ele queria ir para o quartel muito por causa do outro Thailan, que tinha servido dois anos antes”, conta a mãe do mais novo, Ana Paula Campos de Oliveira, 35 anos, que é autônoma e perdeu o mais velho dos quatro filhos.

Assim como o amigo, Thailan Rebhein estava prestes a começar uma nova vida. Ele havia sido aprovado para o curso de Eletromecânica do Colégio Técnico Industrial da Universidade Federal de Santa MArai (UFSM) e fez a matrícula no dia 25 de janeiro, véspera do incêndio. “Era a coisa que ele mais queria. Quando descobriu que passou, ele pulava dentro de casa, me abraçava, me beijava”, recorda a mãe, a costureira Margareth Teresinha, 48 anos, que perdeu seus dois filhos no incêndio.

Foi a convite de Bruna que os dois partiram rumo a Santa Maria na sexta-feira, na motocicleta do mais velho. Eles dormiram no apartamento dela e, no sábado, foram à festa na boate Kiss, que arrecadaria dinheiro para a formatura da estudante no curso de Tecnologia de Alimentos da UFSM. “Eles estavam contando os dias para ir nesta boate. Saíram muito felizes daqui”, lembra Margareth.

As duas mães contam com o apoio de parentes e o trabalho de psicólogos para enfrentar a dor. Margareth, que morava apenas com o filho mais novo, não aceitou o convite de familiares para sair de casa. “Quero ficar perto das coisas dele. Um dia vou me encontrar com eles lá em cima”, afirmou. “Ele não fumava. Não aceito que ele tenha morrido no meio da fumaça”, protesta Ana Paula.

Apelidos diferenciavam os xarás

A escolha do nome Thailan foi sugerida por uma irmã de Margareth. Ela procurava uma ideia que combinasse com Alan, seu primogênito. Chegou a pensar em Luan, mas o pai não aceitou. “Por que não tu não colocas Thailan, para ficar parecido”, perguntou a tia do menino, Elizabete Kilian. A mãe gostou e adotou a escolha. “Eu cuidava do Thailan dela, estava sempre junto com a família. Achei o nome bonito e escolhi esse também”, explica Ana Paula, a mãe do Thailan mais novo.

O que diferenciava os dois xarás eram os apelidos. Por ser o mais velho, Thailan Rebhein era chamado de Tatá Um. O mais novo era conhecido como Tatá Dois ou Leitão. “Ele era gordinho, depois emagreceu. Mas gostava do apelido”, justifica a mãe. Embora não tivessem grau de parentesco, até o sobrenome Oliveira era o mesmo. Isso fez com que o número de mortos no incêndio tivesse que ser revisado pelo governo do Estado, já que inicialmente as autoridades acreditavam que eles fossem apenas uma pessoa.

O Thailan mais novo trabalhava em uma fruteira, mas seu sonho era um dia dirigir trator nas lavouras de arroz da região. Também estava economizando dinheiro para comprar uma motocicleta, a exemplo do que o amigo já havia feito. Já o amigo mais velho trabalhava na montagem de calçados em uma fábrica de Agudo há dois anos. Há quatro meses, convenceu a mãe, que era doméstica, a trabalhar no mesmo local. Os dois iam e voltavam juntos da fábrica. “Éramos muito unidos. Se eu saía de casa e não deixava um bilhete, ele já me ligava perguntando onde eu estava”, relata Margareth.

No quarto de Thailan Rebhein, a bandeira do Grêmio ainda está estendida sobre a cama, assim como a camiseta do Figueirense, time amador de Agudo em que jogava como goleiro. “Era um guri muito alegre. Vivia dançando dentro de casa”, recorda Margareth. Na casa do outro Thailan, a mãe guarda com carinho a bombacha do filho, apaixonado por música gaúcha. “Eu que ensinei ele a dançar. Era meio travado”, explica Ana Paula.

Quatro foram enterrados em Agudo

Alan Raí Rehbein de Oliveira, 26 anos, trabalhava como árbitro de futebol amador e era torcedor fanático do Internacional. Segundo a mãe, que não costumava vê-lo com freqüência, ele morava em Santa Maria com a avó. “Era um filho muito amoroso, só que não convivi muito (com ele)”, conta Margareth. Alan tinha uma filha de 6 anos.
Bruna Eduarda Neu, 19, morava em Linha das Pedras, interior do município.

“Era como uma filha para mim. Nos finais de semana estávamos sempre aqui em casa”, conta Margareth. Os quatro jovens, que eram naturais de Agudo, foram enterrados no Cemitério Municipal. A missa de 7º dia ocorre neste sábado, às 20h, na igreja da Paróquia São Bonifácio, em Agudo. 



Mães sentem a dor de quartos vazios depois da perda de filhos | Crédito: Tarsila Pereira

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