sábado, 2 de fevereiro de 2013

Para esclarecer incêndio, IGP vai reproduzir sequencia de eventos em laboratório


Para esclarecer incêndio, IGP vai reproduzir sequencia de eventos em laboratório

Gás liberado pela queima da espuma de isolamento acústico é um dos principais objetos de investigação

Para esclarecer incêndio, IGP vai reproduzir sequencia de eventos em laboratório Mauro Vieira/Agencia RBS
Em 1min16seg, o revestimento é completamente incendiado
A sequência de acontecimentos que originou a tragédia da boate Kiss, em Santa Maria, será reproduzida em laboratório para esclarecer como a casa noturna se transformou em uma espécie de câmara letal de gás. O Instituto-geral de Perícias quer saber qual foi a velocidade de propagação do fogo e o nível de liberação de elementos tóxicos desencadeados com a queima da espuma acústica apontada pela Polícia Civil como a principal causa do desastre.

Feito de poliuretano, o material de baixa qualidade presente no teto da Kiss é considerado altamente inflamável e teria liberado gás cianídrico em contato com o fogo — o mesmo utilizado pelos nazistas para exterminar judeus na II Guerra Mundial. A disseminação desse produto, 67 anos após o fim do conflito, agora deixa em situação de desespero pais, familiares e amigos de 236 mortos e 119 feridos em hospitais, que padecem pela inalação da substância incolor e inodora, mas mortífera.

A espuma, segundo o delegado responsável pelas investigações, Marcelo Arigony, potencializou o que poderia ter sido apenas um incidente:

— Isto foi a causa da morte. Onde não tinha espuma, quase não queimou.

Peritos coletaram retalhos do revestimento, conforme o delegado Sandro Meinerz, integrante da equipe de Arigony, a fim de submetê-los às mesmas condições que teriam deflagrado o drama.

Para isso, providenciaram ainda o mesmo tipo de artefato pirotécnico indicado como a origem do fogo — chamado de sputnik. O produto, aceso, será erguido a uma distância similar à que teria ficado no momento em que as chamas começaram a se propagar.

A partir desse momento, os técnicos vão cronometrar o ritmo de expansão das labaredas e medir a quantidade e o tipo de gás tóxico decorrente da queima. O resultado vai embasar com rigor científico a tese dos policiais de que o poliuretano empregado no sistema de tratamento acústico da Kiss é peça-chave para explicar o elevado número de vítimas.

A sucessão de falhas que levou ao desastre inclui outros fatores sob investigação como a superlotação no local, deficiências na sinalização e nas saídas de emergência.

Vídeos de celulares serão analisados
A reprodução vai determinar também o nível de resistência da espuma ao fogo. Revestimentos que contam com um aditivo destinado a retardar a propagação, mais caros, são mais seguros do que outros sem esse tipo de proteção. O engenheiro civil Gilmar Roth, especializado em projetos acústicos, considera, no entanto, que nenhum deles é completamente confiável.

— Não recomendo esse tipo de produto. Não é 100% seguro porque mesmo aquelas espumas chamadas antichama desprendem alguma quantidade de gás tóxico em contato com o fogo — sustenta.

Roth faz ainda um outro alerta:

— Se um tipo de adesivo não recomendado pelo fabricante for utilizado, o risco de incêndio se torna maior ainda.

O preço do metro quadrado dos melhores modelos de poliuretano com 50 milímetros de espessura e adesivo resistente ao fogo costuma chegar a até R$ 75, aproximadamente. Materiais sem as mesmas garantias podem ter custo a partir de R$ 45.

Integrante da comissão encarregada de periciar as condições de segurança no local da catástrofe, Marcelo Saldanha, membro do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea), afirma que foram identificados no local três níveis de materiais destinados a abafar o som. Acima do forro de gesso, havia uma camada de lã de vidro que evita a difusão do som para a vizinhança. Abaixo do gesso, colado a ele, estava a espuma.

— Inicialmente, havia o gesso e a lã de vidro. Mas, para evitar o eco que se formava no local, os proprietários decidiram acrescentar a espuma — revelou Saldanha.

A reconstituição prevista pela Polícia Civil terá ainda um outro elemento: os mais de 60 celulares das vítimas. Vídeos e fotos que tenham sido feitos no início do incêndio poderão contribuir para a reconstrução ainda mais fiel dos fatos.

— Alguém deve ter gravado as cenas, e a gente vai descobrir. É só uma questão de tempo — diz Meinerz.

BUSCA DE RESPOSTAS
Investigadores compõem o quebra-cabeças que irá explicar como a tragédia aconteceu:

Quem é o fabricante da espuma usada para isolamento acústico na boate Kiss?
Por enquanto, não há informação oficial sobre isso.

Quem é o fornecedor da espuma?
Está em investigação pela Polícia Civil, que diz não saber ainda. O advogado Jader Marques, que defende Kiko Spohr, um dos proprietários da casa noturna, diz que Kiko contratou um engenheiro, que teria indicado "onde comprar", mas não revela detalhes.

Quem instalou a espuma?
Segundo a Polícia Civil, o responsável pela instalação foi um barman da boate, cuja identidade é preservada. O delegado regional Marcelo Arigony afirma já ter ouvido o responsável, mas o depoimento é mantido em sigilo.

A espuma usada era mais barata?
Isso está sendo analisado pela perícia. Especialistas dizem que no mercado há modelos com aditivo de controle de chamas, que podem chegar a até R$ 75 o metro quadrado (50mm de espessura). Os modelos mais simples, sem esse detalhe, custam a partir de R$ 45 em média.

Se o sputnik usado fosse específico para ambientes internos, o resultado seria diferente?
Sim, já que esse equipamento é produzido para não provocar a combustão de produtos inflamáveis.

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