segunda-feira, 4 de abril de 2011

TERRAMÉRICA - Aposta reafirmada

A violência contra ciclistas de Porto Alegre atraiu atenção local e internacional para a causa da bicicleta como verdadeiro meio de transporte.

Porto Alegre, Brasil, 4 de abril de 2011 (Terramérica).- O ato criminoso de um motorista, que atropelou uma dezena de ciclistas na cidade de Porto Alegre, se converteu, pouco mais de um mês depois, em bandeira de luta pela humanização das cidades. No dia 25 de fevereiro, um automóvel investiu contra um grupo de ciclistas do Movimento Massa Crítica em uma rua da capital do Rio Grande do Sul, e as imagens deram volta ao mundo, gerando várias manifestações e a solidariedade mundial.

Contudo, mais grave para os ciclistas é a promessa não cumprida de implantar o Plano Diretor Integrado de Ciclovias, redigido em 2009 e destinado a promover um meio de transporte barato, limpo e saudável. Agora, os ativistas se preparam para defender seus argumentos em uma audiência pública no dia 7. O governo de Porto Alegre – que foi vanguarda em políticas ambientais desde a década de 1970 e será uma das 12 sedes do Mundial de 2014 – poderia incorporar experiências de sucesso da Holanda e Dinamarca, onde foi criado um sistema público de bicicletas e a população aprovou.

Dados oficiais indicam que o Brasil, maior país da América Latina, tem quatro mil quilômetros de rotas especiais para bicicletas. O Rio de Janeiro, com quase 6,3 milhões de habitantes, possui 160 quilômetros, enquanto Porto Alegre, com quase 1,5 milhão de pessoas, conta com apenas oito quilômetros de vias para circulação com fins recreativos, apesar de ter potencial para chegar a 410 quilômetros em trechos que permitam o uso da bicicleta como transporte.

Inclusive municípios próximos e menores têm melhores condições. Campo Bom, a 58 quilômetros da capital gaúcha, conta com 30 quilômetros de ciclovias e 28 mil bicicletas para uma população de 65 mil habitantes. Em Sapiranga, a 52 quilômetros, as indústrias incentivam o uso de bicicletas e instalam estacionamentos especiais. "Em qualquer cidade se pode traçar vias e calçadas", disse ao Terramérica o arquiteto Ricardo Corrêa, fundador da TC Urbes - Mobilidade e Projetos Urbanos, uma consultoria especializada em democratizar a circulação de todos os meios de transporte.

Ricardo está para iniciar um plano-piloto de 30 quilômetros de ciclovias no bairro de Santo Amaro, na cidade de São Paulo, área que tem 450 mil habitantes e população flutuante de 700 mil pessoas. Se o resultado for positivo, poderá ser ampliado. "As pessoas falam em ciclovias e nas bicicletas públicas europeias, mas esquecem que os incentivos ali não começaram de um dia para outro", destacou. A rede de ciclovias de Berlim é legado do Mundial de 2006, mas antes já havia um plano viário, acrescentou.

"Em nenhum outro país a bicicleta está tão incorporada à cultura como na Holanda", afirma a repórter fotográfica norte-americana Shirley Agudo em seu livro "Bicycle Mania Holland". Neste país, são 29 mil quilômetros de vias e calçadas especiais. Em uma população de 16,5 milhões, há mais de uma bicicleta por pessoa. Somente em Amsterdã são 550 mil bicicletas frente a 250 mil automóveis. Governantes de outras cidades tentam reproduzir essa realidade com resultados diferentes.

A professora de inglês Amélie Dumoulin, de 32 anos, vive em Saint-Ouen, uma comunidade distante cinco minutos de bicicleta de Paris, e faz parte da associação Vélorution Île de France, que promove os meios de transporte não motorizados nessa região à qual pertence a capital francesa. Para ela, pedalar significa autonomia de transporte, apesar de não haver continuidade entre as ciclovias da capital e as da periferia, disse ao Terramérica.

Segundo dados reunidos pelo grupo, se fossem feitas em bicicletas 30% das viagens de automóvel para percursos de até seis quilômetros dentro da União Europeia, o bloco de 27 países reduziria em 4% suas emissões de gases-estufa gerados pelo transporte automotivo. No entanto, menos de 3% dos deslocamentos urbanos são feitos em bicicleta na França. "O maior desafio é mudar a cabeça das pessoas. As campanhas não falam mais do que a segurança, assustando os ciclistas", disse o também francês Pierre Fabre, de 50 anos, que promoveu a solidariedade com os brasileiros atropelados.

Essas mensagens também chegaram de Quito, capital do Equador. Com cerca de dois milhões de habitantes, suas primeiras ciclovias datam de 2007 e hoje somam 49 quilômetros. As bicicletas, antes usadas apenas para fins turísticos, agora realmente transportam pessoas. "Quito é uma linha reta, é fácil de construir ciclovias", explicou Mario Muñoz Carrillo, presidente da fundação Biciacción. É mais complexo ligá-las com o Sul do território e com o Centro Histórico, delimitado como zona patrimonial.

"O município tem outras prioridades, como o metrô ou o aeroporto", disse Mario ao Terramérica. "Não é o que aconteceu na Colômbia, onde os prefeitos estavam convencidos e ordenaram a construção de ciclovias". O ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa (1998-2000), implantou o sistema de ônibus rápidos Transmilênio, inspirado no desenvolvimento da cidade brasileira de Curitiba, no Estado do Paraná, incorporou a bicicleta à rotina local, iniciou as obras de uma rede de 350 quilômetros de vias especiais e reduziu as áreas de estacionamento de automóveis.

Em comparação com a capital colombiana, Porto Alegre deixa muito a desejar. Seu Plano Diretor é de 2009, embora seja discutido desde a década de 1970. O debate cresceu em 1996, a partir das tratativas entre a prefeitura e o Banco Interamericano de Desenvolvimento para construção da III Perimetral, uma avenida que corta a cidade para desafogar o trânsito das ruas principais. No momento, ecologistas e ciclistas apresentaram uma petição para incluir no projeto a construção de ciclovias.

O prefeito de Porto Alegre, José Fortunatti, alega falta de dinheiro e outras prioridades para aplicar o Plano Diretor. Entretanto, o ex-secretário municipal de Meio Ambiente, vereador Beto Moesch, diz que em 2010 foi gasto menos da metade da quantia anual do orçamento destinada ao item transporte sustentável. E para este ano está previsto um gasto ainda menor.

Os prejuízos são visíveis. "Desprezamos trem e hidrovias, e isso gerou uma quantidade monumental de acidentes e mortes nas ruas, engarrafamentos e emissão de gases-estufa", criticou o vereador Carlos Todeschini, vice-presidente da comissão que monitora os investimentos para a Copa do Mundo. Ele acredita que o Mundial será uma oportunidade para avançar no aumento de ciclovias. No dia 7, a Câmara Municipal discutirá esse assunto em audiência pública.

Enquanto isso, o motorista Ricardo José Neis está preso e acusado de 17 tentativas de assassinato. Renato Soprana Pecoits, comerciante de 49 anos, um dos ciclistas que escapou de ser atropelado, perdeu uma perna em um acidente quanto tinha 27 anos. Hoje continua pedalando com ajuda de uma prótese. Para ele, a bicicleta é uma oportunidade de se relacionar com outras pessoas e com a natureza, numa época em que as pessoas vivem tão distantes umas das outras, "fechadas em seus automóveis".

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