segunda-feira, 4 de abril de 2011

O movimento dos pobres sobrevive no Haiti

Apesar dos golpes e de um desastre natural catastrófico, a maioria dos haitianos, os pobres, lutaram com sucesso para conseguir uma vitória inspiradora com o regresso de Aristide e sua família. Alguns perderam a vida por ele. Suas histórias – como a do finado sacerdote Gérard Jean-Juste, um anti-golpista e valente lutador pela democracia até que perdeu sua batalha contra o câncer – são parte de uma história popular.

O ex-presidente Jean-Bertrand Aristide – duas vezes derrubado do poder - e sua família foram escoltados fora da pista do aeroporto em Porto Príncipe, e o canto forte de "Titid, Titid, Titid" se levantou de um encontro que preencheu todos os espaços da rua que sai do aeroporto. Sentados sobre paredes, uns poucos escalaram um poste de telefones, filas de jovens saltaram de emoção pelo regresso de Aristide de seu exílio na África do Sul – uma figura heróica do Haiti cuja história é baseada na resistência.

As portas de dois veículos da polícia se abriram, uma caminhonete escura com vidros filmados, e uma caminhonete que transportava os convidados. Um trabalhador do aeroporto com um grande sorriso em seu rosto apertou as mãos de um policial que estava dirigindo um dos carros. Soldados da ONU fortemente armados e com capacetes de cor azul estavam presentes a cerca de 30 metros do local.

Enquanto a caravana passava, milhares chegaram dos bairros pobres com bandeiras e cartazes a pé. Um homem vestido de Jean Jacques Dessalines, - o líder fundador do Haiti – andava pela rua em cima de um cavalo. Muitos foram com motocicletas ou empilhados em caminhões que viajam através do ar empoeirado.

Soaram canções. "Nou trayi JANM pap san nou, nou san Se San Aristide ... Menm li ki nou rasanble tout, nou fok Tout Youn Ansanm fe", cantou-se à inundação de alegria da gente, chamando a unidade na luta.

Um pequeno grupo de ex-agentes de segurança presidencial e policiais seguiram a caravana de perto. Ao lado deles seguiu a multidão estimada entre 7 e 15 mil pessoas.

Ao chegar à casa de Aristide, a multidão se acomodou como pode. Alguns subiram em árvores e muros. Havia tanta gente que a família de Aristide teve muita dificuldade para entrar em casa.

Nas últimas semanas circularam muitos rumores sobre o regresso de Aristide. Durante décadas foi a figura mais popular nas zonas rurais e nos bairros pores. Inclusive com poucos recursos devido a um bloqueio imposto pelos Estados Unidos, sua administração implementou programas de investimento social, a criação de mais escolas públicas que em toda a história do país: uma campanha nacional de alfabetização, Alfa, a construção e renovação de clínicas médicas, o hospital d'A Paz, e uma universidade de medicina com a ajuda dos cubanos. Os pobres não esqueceram. Inclusive sob a intensa pressão das potências estrangeiras Aristide foi capaz de dissolver o odiado exército do Haiti e negar a privatização de instituições estatais que René Préval, seu predecessor tecnocrata, considerou

Aristide é uma das poucas pessoas que o povo segue considerando como um herói depois do terremoto de 11 de janeiro de 2010 que matou cerca de 250 mil pessoas. No dia de seu regresso, um grupo de residentes de Cité Soleil explicou que não estavam seguros exatamente de quando o avião de Aristide ia aterrissar. Agregando à confusão, talvez intencionalmente, uma estação de rádio reportou falsamente que seu avião não chegaria até 22 de março.

Muitos na multidão diziam que a eleição nos próximos dias era "fini" – sem valor. Maryse Narcisse, porta-voz oficial do partido de Aristide, Fanmi Lavalas (FL), chamou um boicote geral. Aristide denunciou a continuada exclusão do FL das eleições pouco depois de aterrissar.

Uma das maiores preocupações do FL agora é se reorganizar. O FL segue sendo muito popular com os pobres – a maioria do Haiti -. Ele conseguiu sobreviver contra todos os prognóstico depois do golpe de 2004, mas sua infra-estrutura foi debilitada nos últimos anos. Os que estão mais próximos de Aristide são líderes com muita experiência no conflito social do Haiti que se manteve firmemente leal a Aristide. Seu movimento foi caluniado sem descanso pelos monopólios dos meios de comunicação locais nos últimos anos. A maioria destes líderes principais tem mais que 40 anos e foram vítimas de repressão depois do golpe de 1991 e do de 2004. Muitos foram presos ou empurrados ao exílio. Muitos no movimento recordam com carinho companheiros caídos como Lovinsky Pierre-Antoine, um dos muitos organizadores que foram desaparecidos – uma das táticas preferidas dos paramilitares.

Problemas à parte, o FL permanece como o único movimento popular de nível nacional. Têm o potencial de estar mais bem organizado e ser mais eficaz do que era no passado, aprender com seus êxitos e fracassos. Já não é arrastado pelos políticos oportunistas que se uniram a Lavalas depois de regressar ao poder em 1994 (com apoio internacional), mas logo se puseram contrários quando a oposição financiada pelos Estados Unidos ganhou força. A liderança do FL que sobreviveu é mais dedicada e progressista que antes. A luta do movimento, e de Aristide, contra os poderosos, todavia tem o apoio da juventude nos bairros pobres da capital e de pobres famílias no campo.

No entanto, setores da sociedade haitiana se tornaram apáticos, exaustos de anos de violência política. A campanha de Michel Martelly, um dos candidatos à presidência, tratou de se aproveitar da apatia e do desencanto. Com uma campanha que utiliza muito a tecnologia, Martelly trata de vender o projeto dos ricos com uma linguagem popular. Ainda que a maioria pareça desinteressada nas eleições, a campanha de Martelly obteve certo êxito.

Estava claro que com o primeiro turno das eleições de novembro de 2010 que muita gente não quer ou não pode votar. Somente 27,1% dos votantes registrados participaram do primeiro turno das eleições de 28 de novembro. Destes, 4,3% votaram a favor de Martelly e 6% votaram a favor de Manigat.

Contudo, não está claro como foi a votação de 20 de março. A Al Jazeera descubriu que em um local de votação todos os documentos desapareceram. Segundo os observadores independentes o nível de participação foi muito baixo. A Usaid e funcionários da ONU dizem que o nível de participação foi um pouco melhor que no primeiro turno. Nas favelas da capital era evidente que muita gente seguiria com sua vida cotidiana sem se dar conta da eleição.

No dia do segundo turno, dois jornalistas independentes, Ansel-Herz e Wadner Pierre, e eu, reportamos dos centros de votação (Edifício 2004 no centro de Porto Príncipe, e outro próximo à favela de Karade) onde os mesmo empregados da campanha de Martelly – com camisas de observadores oficiais – distribuíam alimentos ilegalmente.

Em outro centro de votação, os trabalhadores eleitorais nos disseram que um grupo que apóia Martelly tratou de pressioná-los para que lhes permitissem votar sem identificação ou sem carimbar os dedos como é obrigatório depois de votar. Em um centro de votação em Ti Plaz Kazo, um pequeno grupo que se identificou como fiéis de Lavalas e Aristide disseram que votariam em Martelly, para dar-lhe uma oportunidade como político independente.

A campanha de Martelly foi intensa. Desconhecido por muitos, Martelly também encontrou aliados entre os líderes paramilitares que segundo gente bem informada, têm acordos com a DEA. A Associated Press informa que 150 ex-soldados estão treinando nas redondezas de Carrefour, um subúrbio da capital. Isto é preocupante. Os paramilitares são responsáveis muitos crimes que os meios de comunicação daqui e os jornalistas estrangeiros se negaram a publicar.

Nos próximos anos, os que apóiam Martelly e um rejuvenescido FL podem chegar a ser as duas grandes correntes políticas, mas nada está certo. Por agora a esquerda foi excluída das eleições, e a direita permanece sendo muito dividida, com um número de políticos denunciando fraude nas eleições, e a ex primeira dama Mirlande Manigat competindo contra Martelly.

Está claro que alguns gostam de Martelly pelo apoio que ele obtém de Wyclef Jean e outros músicos populares, mas outros estavam apoiando Manigat devido à sua formação acadêmica, ou porque lhes parece vulgar a maneira como Martelly se comporta.

Em Pétion-Ville, a 'zona verde' da capital do Haiti, onde as imagens de Martelly e Manigat se veem por todos os lados, alguns residentes particularmente expressam admiração por Aristide, mas se escondem em conversas públicas por medo da reação de pessoas muito influenciadas por anos da propaganda nos meios de comunicação.

Apesar dos golpes e de um desastre natural catastrófico, a maioria dos haitianos, os pobres, lutaram com sucesso para conseguir uma vitória inspiradora com o regresso de Aristide e sua família. Alguns perderam a vida por ele. Suas histórias – como a do finado sacerdote Gérard Jean-Juste, um anti-golpista e valente lutador pela democracia até que perdeu sua batalha contra o câncer – são parte de uma história popular.

Enquanto Aristide, sem dúvida, servirá como uma figura chave e estratégia para a reorganização de um movimento popular, sua intenção declarada de investir seu tempo na educação é importante. Ele poderá atrair apoio e atenção aos projetos locais que a merecem, como os que foram iniciadas pela Fundação Aristide para a Democracia.

Lavas e o "baz" (seus partidários) em todo o país terão que fortalecer sua disciplina para evitar enfrentamentos os quais os meios nunca deixam de exagerar e usar para denunciar Aristide pessoalmente. Nas favelas, o FL poderia trabalhar com uma nova geração que poderá aprender dos líderes com maior experiência.

O movimento popular pode voltar mais forte, livre de oportunistas, e ampliar seu círculo de solidariedade. Seus organizadores sabem que deverão escolher com cuidado as alianças para não repetir erros.

Os "rezistans", que incentivaram Toussaint Louverture, Jean-Jacques Dessalines, Charlemagne Péralte e Daniel Fignole, de muitas foram parte de um só movimento popular na história deste país. O finado antropólogo Eric Wolf o descreve como a resistência de 500 anos dos pobres nas Américas. É muito importante observar que o movimento no Haiti não está sozinho nem isolado, mas que compartilha muito em comum com os movimentos no Oriente Médio e com a esquerda que triunfou em muitas partes da América Latina apesar de ter seus próprios problemas. Os progressistas na América do Norte são muito conscientes da luta do Haiti, assim como muitos na África.

O movimento popular do Haiti se encontra com valiosos aliados, entre o bloco da Alba ou entre grupos internacionais através do Fórum Social Mundial. Poderão educar muitos de seus membros utilizando pequenos recursos que têm na classe média e entre socialistas.

Funcionários dos EUA e da ONU fizeram tudo a seu alcance para entravar o regresso de Aristide a seu país, mas fracassaram. Aristide está aqui em cumprimento com uma das principais demandas de um movimento popular que demonstrou muitas vezes sua imensa capacidade de recuperação.

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