Lisboa, Portugal, maio/2011 – Faz aproximadamente três meses que o mundo islâmico entrou em ebulição (no bom sentido da palavra). Como é notório, o processo começou na Tunísia, onde o ditador Ben Ali e sua família optaram, prudentemente, pela fuga. Seguiu-se uma revolução popular no Egito com epicentro na Praça Tahir, no Cairo, que causou centenas de mortos e levou o exército a afastar o ditador Hosni Mubarak e enviá-lo para o paraíso de Sharm-el-Sheikh para depois colocá-lo em prisão.

A situação mais grave se deu na Líbia, onde o ditador Muammar Gadafi continua resistindo apesar dos bombardeios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) que, na verdade, não foi criada para assumir tais operações. Se a isto forem acrescentadas as contínuas manifestações na Argélia e no Marrocos, na Síria, no Bahrein e na Jordânia, significa que estamos assistindo a um contágio democrático que está se expressando de uma maneira tão constante que temos a sensação incontestável de que nada voltará a ser como antes.

É de se imaginar que as ditaduras e os ditadores, bem como as teocracias que ainda subsistem, terão de tirar as conclusões corretas e se mover com o maior cuidado.

Está se espalhando por todo o vasto universo árabe-islâmico o espetáculo de povos que reclamam liberdade, democracia, respeito pela dignidade das pessoas e pelos direitos humanos. Nada disto tem a ver com a religião islâmica, já que em todos os lados vimos, pela televisão, inúmeras manifestações religiosas. Tampouco esqueçamos que não foram pronunciadas palavras de condenação contra Estados Unidos e Europa, e nem mesmo contra Israel, o inimigo de sempre.

Este comportamento nos mostra que, além de reclamar liberdade, os muçulmanos também estão a favor de um laicismo que se afasta dos Estados islâmicos confessionais e que aspiram separar o fenômeno religioso – cujo âmbito reside no foro íntimo de cada crente – dos governos e da política? Eu não iria tão longe.

Mas algo disto deve existir, já que o terrorismo da Al Qaeda que foi utilizado como pretexto para consolidar tantas ditaduras – contando com o beneplácito do Ocidente, está quase desaparecido dos noticiários. O presidente Barack Obama teve razão quando, no lúcido discurso que pronunciou no Cairo, por exemplo, exortou pelo diálogo com o mundo islâmico e afirmou que não é a força bruta o instrumento para combater o terrorismo, mas o diálogo e a convicção.

Segundo informou no dia 17 de abril o jornal El País, de Madri, o ex-primeiro-ministro da Espanha, José María Aznar, em uma conferência que deu na Universidade de Columbia, em Nova York, criticou a intervenção da Otan na Líbia e defendeu ditadores como Gadafi, Mubarak e Ben Ali. Como não recordar que o mesmo Aznar, quando chefiava o governo espanhol, participou da reunião de cúpula dos Açores, de triste memória, e secundou o presidente George W. Bush em seu propósito de invadir o Iraque com falsos pretextos. Para os que carecem de ideologia e só veem seus próprios interesses, os ditadores podem ser bons ou maus, segundo lhes for conveniente.

As revoluções pacíficas que estão transformando os Estados árabes têm semelhanças com os movimentos que sacudiram o mundo comunista, causaram a queda da União Soviética e da Cortina de Ferro. Se, como esperamos, conseguirem alcançar seu justo objetivo, constituirão um avanço fundamental para o progresso das democracias no planeta e também, portanto, para a paz e o progresso em um mundo globalizado e, em muitos aspectos, inseguro. Envolverde/IPS